era uma vez uma menina grande e uma menina pequena que corriam de mãos dadas. não, era uma vez duas meninas. também não. era uma vez uma avó e uma neta. não. era uma vez a avó mais bonita e a neta pequena. não. era uma vez tu, era uma vez eu:
era uma vez um dia pequeno de inverno numa casa grande e fria da aldeia, e uma panela preta com pés de ferro, na lareira, onde se aquece a água para tomar banho. era uma vez um dia grande de verão, um campo de erva e um estreito rego de água em terra, onde se molham os pés descalços. era uma vez um dia de primavera e de páscoa: o pão e os bolos no forno a lenha, e as pepitas de chocolate que enfeitavam as tortas, a enfeitar também os cantos da minha boca. era uma vez um dia de outono e de escola, e um caminho crepuscular a ser invadido pela luz que carregavas nas mãos, para não me deixares sozinha no caminho até casa.
era uma vez os teus brincos madre-pérola e os outros com mola, que eu pendurava nas orelhas. era uma vez o teu colar madre-pérola que rebentei em cima da cama, e os outros colares que condiziam com os brincos de mola, com que ainda me deixavas brincar. era uma vez um grilo dentro da gaiola vermelha que o avô tinha comprado na feira da aldeia do lado e era uma vez nas tuas mãos joaninha voa, voa, que o teu pai foi para lisboa. era uma vez um grande buraco na areia da praia, que juntas escavámos para nos metermos lá dentro, ou uma cabana feita de lençóis presos ao guarda-sol por molas, que fizemos para nos protegermos do vento.
era uma vez o teu perfume no meu pijama, porque dormia sempre contigo. era uma vez as estórias que me contavas até adormecer e um abraço, os teus braços à minha volta, a aconchegar os meus lençóis. era uma vez avó, por que és tão bonita? avó, porque é que os meus pais estão sempre zangados? avó, porque é que eu não posso ficar sempre aqui contigo? avó, por que não vens viver sempre comigo? avó, quando for avó, quero ser a avó mais bonita, como tu.
era uma vez, todas as vezes: o olhar mais perfeito das flores, a pele macia e gasta a inundar os dias, o sorriso triste e o lugar feliz no coração pequeno a bater.
avó, antes mesmo de um dia morreres, já estás no céu, eu sei.
e sabes porquê? o céu, avó, o céu é o lugar mais fundo do meu coração.
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